terça-feira, 21 de outubro de 2008

GEAC - Memórias

Universidade Federal da Bahia
Curso Pedagogia Séries iniciais
GEAC – Grupo de Estudos Acadêmicos
Professora – Roseli Sá
Cursista – Gervásio Mendes Mozine


Irecê ganha mais uma história

Se fosse hoje, seria no recém reformado e inaugurado HRI (Hospital Regional de Irecê) pelo governador da Bahia Jacques Vagner, mas foi num lugar nada parecido com este. Abafado, num dos três quartos, naquele em que a janela, com duas partes e uma tramela (tipo de fechadura) no meio, ficava aberta onde dava muito bem pra ver o sol nascendo e subindo céu acima para encantar as pessoas que tentavam adivinhar as horas somente olhando pra ele. Eram capazes de acertar ou chegar bem próximo da hora. O meio dia era fácil de acertar porque não existe sombra neste horário, pois a estrela cadente fica bem no meio do céu. De lá também era possível olhar as poucas galinhas no terreiro ciscando sem parar a procura de alimentos com seus pintinhos piando atrás. Não sabiam elas que mulher de resguardo naquele tempo só podia comer canja de galinha. Se não, ao ouvir o choro daquele menino, teriam fugido às pressas para não ir parar na panela. Naquela época a mamona plantada ficava por até dois anos produzindo de um ano para outro e daquela janela dava pra observar os cachos secando enquanto outros se encontravam no chão se abrindo com o calor escaldante que faz em nosso sertão. Os primeiros panos sujos com as fezes moles e de odor ardido foram lavadas com o sabão de soda produzido pela mamona. Nessa época não se falava em sabão em pó, xampu, escova, pasta dental. A babosa fazia a espuma necessária para tirar o sujo dos cabelos pretos, lisos e duros por não lavar a semanas. A folha do juá com cheiro de mato verde escorregava entre os dentes apoiadas pelo dedo indicador e polegar da mão direita como se fosse uma escova nova, depois era só jogar um pouco de água na boca, balançar para um lado e para outro e depois jogar fora.
Continua com o mesmo nome, Tertuliano Cambuí, por ter sido ele o primeiro morador e dono da maior parte daquelas terras. A rua ficou diferente, ganhou tubos de esgoto e depois de um calçamento recebeu uma camada asfáltica por cima pra que os carros passem como se tivessem deslizando suavemente sobre um tapete. O pior dessa história formada recente é que roubou o cheiro de terra molhada quando chovia, fez sumir os carrinhos de lata que eram feitos principalmente para cortar lama nas brincadeiras gostosas com os colegas naquela rua. As borboletas que quase pousavam sobre nossas costas se acabaram, depois dessa tal de civilização urbana.
As casas eram distantes umas das outras, mas dava pra sentir o cheiro do café torrado na bola aquecida pelo fogão a lenha. Hoje o perfume da Tertuliano é identificado pela fumaça dos carros que não param de passar. Nela não se encontra mais nenhum espaço para construção e por isso, erguem colunas e colunas fazendo casa sobre casa. A pacata rua onde nascera mais uma história em 1968 hoje é conhecida como avenida. A preferida por todos os políticos em época de campanha por facilitar o trajeto das caminhadas alegres, fervorosas, aplaudidas e também vaiadas pelos adversários no calor das emoções do acreditar apenas no seu candidato.
O suor salgado que corre pelo corpo das pessoas nas caminhadas naquela avenida, muitas vezes é trocado pelas lágrimas que saem dos olhos, percorrem o rosto e caem no asfalto cobrindo de tristeza e de sentimento as pessoas que acompanham os cortejos e as que de suas portas observam o passar do esquife que antes era carregado por seis pessoas, três de cada lado. Hoje passa em carro apropriado para fazer o melancólico serviço. Bem que podiam fazer o cemitério, único da cidade, noutro fim de rua para que a historia que nascera naquela Cambuí não tivesse tristeza.
Foi nessa rua, hoje avenida. Naquela casa de adobão. Hoje toda reformada com cerâmica nas paredes e no piso, com telhado e madeiramento bom, com banheiro e com um pequeno quintal murado. Bem diferente do cercado com arame, onde o banheiro era embaixo dum são joeiro, e o papel higiênico era o sabugo de milho, onde o piso era de chão batido e a vassoura para limpar era tirada na roça, onde tinha uma bica para aproveitar a água da chuva e também tomar um belo banho cantando e pulando debaixo que nasce mais uma história na cidade de Irecê. Foi naquela casa, naquela rua que a saudosíssima Hildete Alves Mozine, pegado pela parteira Mãe Joaquina (que Deus o tenha também) deu a luz e colocou no mundo em 5 de maio de 1968 a história homem que resolveram chamar de Gervásio.

Um comentário:

Rita Cácia Fernandes disse...

MONZINE,
Artista até no nome, escritor nato... seus textos são deliciosos de se ler, fiz uma viagem no tempo e no espaço, visualizei cenas espetaculares...
Parabéns!!!
Carinhosamente Rita Cácia.